sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Máquina quase perfeita

Porsche 956


por Anderson Rodrigues
@gktrainer

Esse segundo post é na verdade uma missão dada pelo meu grande amigo Cláudio, e missão dada é missão cumprida, como já dizia Cap. Nascimento.

Antes de falar da missão, quero dar uma dica sobre a tal. Adoro corridas, assisto F1 desde garoto, ficava desenhando as pistas do calendário e ficava correndo nelas com o meu pai, e assistia DTM na antiga rede Manchete, e achava lindo. Mas uma categoria que me chamou muito a atenção foi o Endurance.

Participar de uma categoria de endurance deve ser a coisa mais sensacional desta vida, a sensação de participar de uma equipe de pilotos (normalmente são 2 ou 3, em um mesmo carro), e que o rendimento tem que ser o melhor possível, em uma corrida com 12 ou 24 horas, deve ser a coisa mais gratificante no automobilismo. Existe um filme que conta um pouco isso, e quem gosta realmente de automobilismo (poucos no Brasil, pois muitos gostam é de se aparecer) conhece, é Le Mans, estrelado por Steve McQueen. Esse filme mostra tudo o que falei acima, tudo na medida certa, melhor filme feito usando o automobilismo como temática.

Trailer do Filme "Le Mans"

Não, não falarei do Porsche 9115 que aparece no começo do trailer e nem do Porsche 917, falarei da máquina quase perfeita, o Porsche 956, carro que dominou o mundo do endurance nos anos 80, nas mãos de vários ótimos pilotos - como Stefan Bellof.

 Eis a lendária máquina - Porsche 956 em Spa-Francorchamps.

Essa maravilha foi concebida em julho de 1981, pois a FIA reformulou o regulamento do World Sport Cars Championship, ou Campeonato Mundial de Protótipos, para o ano de 1982. O Porsche 956 veio substituir o Porsche 936, que corria o Grupo 6 (categoria de carros de produção especial), que junto com o Grupo 5 (carros de 2 assentos), formariam uma categoria só, o famoso Grupo C (carros esportivos de competição). As outras duas categorias seriam o Grupo A (carros turismo) e o Grupo B (carros de gran turismo).

O Porsche 956 viria a usar o mesmo motor do antecessor 936, um Porsche L-935 turbo 2, 65 Flat-6 refrigerado a água, que produzia cerca de 650 cv em 8200 RPM, tendo a potência de 2649 cilindradas. O motor ficava posicionado atrás do cockpit, em posição longitudinal.

motor do Porsche 956

Esse motor contava ainda com um turbo compressor Twin KKK K26-3060G, com intercooler híbrido, a água e ar. Mas a transmissão utilizada pelo 956 não era a mesma do seu antecessor, pois era um dos pontos falhos no 936. Foi feito um novo câmbio de 5 marchas para otimizar ainda mais a performance, feita pela Bosch. Para o ano de 1983, a mesma Bosch fez um novo sistema de combustível, otimizando o consumo, já que Le Mans em 1982, eles fizeram 25 paradas para reabastecimento, com um tanque com 100 litros de capacidade máxima.

O chassi foi construído em fibra de carbono com reforço em kevlar, já largamente utilizado na indústria aeronáutica. Ele pesava 820kg, distribuidos em 4 metros de comprimento, por 2 metros de largura, a distância entre-eixos era de 2,65 metros.

croqui do Porsche 956

O primeito feito com essa maravilha teve a participação de Jürgen Barth, piloto Porsche, que ganhou as 24 horas de Le Mans pela fábrica em 1977, com o antecessor do 956, o 936, pilotando junto com Jacky Ickx e Hurley Haywood. Ele também ganhou os 1000km de Nurburgring, em dueto com Rolf Stommelen. Ele testou o Porsche 956 na pista privada da fábrica alemã.

 Jürgen Barth no Porsche 936 em Le Mans, 1977

A estréia oficial do Porsche 956 foi em Silverstone, na 2a etapa do WSCC, na prova de 6 horas. A equipe da fábrica, a Rothmans Porsche, correu com Jacky Ickx e Derek Bell, chegando em 2o lugar, atrás de Michelle Alboreto e Riccardo Patrese, num Lancia LC1, da equipe Martini Racing. Alboreto e Patrese viriam a ganhar a 3a etapa do WSCC, em Nurburgring. A equipe Rothmans Porsche não alinhou para essa etapa, para desenvolver melhor o 956, pois a 4a etapa seria na mítica Le Mans.

 Riccardo Patrese e seu Lancia, em Silverstone.

Para Le Mans, a equipe levou 3 carros. Jochen Mass (ALE) e Vern Schuppan (AUS) ocuparam o carro 003, Ickx (BEL) e Bell (ING) no carro 002 e Al Holbert (EUA), Hurley Haywood (EUA) e Barth (ALE) no carro 004.

Os carros a serem batidos seriam os Lancia da Martini Racing, que formou duas equipes de respeito, com Alboreto, Teo Fabi e Rolf Stommelen num carro. E no outro teriam Piercarlo Ghinzani, Riccardo Patrese e Hans Heyer no outro carro.
Mas a preparação feita pela Porsche para Le Mans surtiu efeito, e na qualificação, os Porsches já mostraram força, com 1-2-3 feito pelos seus carros da equipe oficial. E na corrida não foi diferente, pois o carro piloto por Ickx e Bell venceram a prova com 3 voltas de vantagem para o 2o lugar, o outro 956, pilotado por Mass e Schuppan. O 3o lugar foi ocupado pelo carro 003. Essa foi a prova dos sonhos para a Porsche, pois ela viria a ocupar também a 4a posição (Porsche 935-B1, da John Fitzpatrick Racing) e a 5a posição (Porsche 935 K3, da Cooke Racing). Essa prova marcou a 50a edição das 24 horas de Le Mans.

 Pódio de Le Mans, em 1982

A partir de Le Mans, começou o dominio dos Porsches 956 no WSCC de 1982, junto com os Lancias LC1. Os carros da Rothmans Porsche fariam 1-2 na 5a etapa, nos 1000km de Spa, vitória de Ickx e Mass com Bell e Schuppan em 2o lugar. Nos 1000km de Mugello, 6a etapa, a Porsche não mandou seus carros, deixando fácil a missão da Martini Racing, que venceu a prova com Ghinzani e Alboreto, e Nannini e Corrado Fabi completando a dobradinha italiana.

A Rothmans Porsche voltou com 1 carro somente na 7a etapa, as 6h de Fuji, e vencue, tendo seu carro pilotado por Ickx e Mass, tendo o Lancia da Martini Racing logo atrás, pilotado por Patrese e Teo Fabi. Essa etapa de Fuji, logicamente, contou com a presença maciça das equipes de endurance do Japão, onde podemos destacar a Tom's, que utilizou um March 75S Toyota.

Cartaz da prova de Fuji, com os 956's em destaque.

A etapa derradeira do WSCC de 1982 seria os 1000km de Brands Hatch, e a Porsche se sagrou campeã, vencendo a prova com a dupla vencedora em Fuji, Ickx e Mass, com Patrese e Fabi em 2o lugar, separados por apenas 5 segundos.

O Porsche 956 viria a dominar o WSCC de 1983, já que todas equipes privadas passaram a utilizar esse modelo, em detrimento dos 935 e 936. Todas as provas do campeonato de 1983 foram vencidas por um modelo Porsche 956, e na única prova que não fizeram pódio completo foi os 1000km de Kyalami, onde tivemos um Lancia LC2 da Martini Racing em 2o lugar (Alboreto e Patrese). O tricampeão de Le Mans nesse ano foi Schuppan, Holbert e Haywood, e destaque para o 3o lugar, também o 956, ocupado por Mario e Michael Andretti, e também Phillipe Alliot.

carro de Michael e Mario Andretti em Le Mans.

Em 1984, veríamos um crescimento do WSCC, que teria nada menos que 11 etapas, sendo uma na Austrália, no circuito de Sandown Park. E veríamos um novo domínio dos Porsche 956, que ganharam nada menos que 10 das 11 etapas. E pelo jeito, os 956 não gostavam muito de Kyalami (ou os Lancias adoravam a pista), pois a Martini Racing venceu a prova, fazendo 1-2 com Patrese e Nannini vencendo e Bob Wollek e Paolo Barilla chegando na 2a posição, todos com o Lancia LC2-84.

Quem teria o prazer de ganhar as 24 de Le Mans em 1984 com o 956 seria o trio Henri Pescarolo/Klauss Ludwig/Johansson, pela equipe Joest Racing, que seria a equipe de fábrica em Le Mans naquele ano.

Carro da Joest Racing, vencedor de Le Mans em 1984.

O ano de 1984 seria o último tendo o Porsche 956 como carro principal da fábrica, ele seria substituido pelo Porsche 962C para o ano de 1985. Vale lembrar que, mesmo com o lançamento do 962C, quem ganhou as 24 horas de Le Mans nesse ano foi um 956 da Joest Racing, com Ludwig/Barilla/Winter, tendo o 962C de fábrica chegando somente na 3a colocação com Bell/Stuck.

O 956 ficou marcado também por ser um dos personagens no qual o automobilismo alemão e mundial perdeu um dos grandes prodígios da época, seu nome: Stefan Bellof. Esse era tido, junto com um tal Ayrton Senna, como uma das principais promessas da época. Vale lembrar para aqueles que acham que a performance de Senna em Mônaco/1984 foi a melhor exibição de todos os tempos, na mesma prova, Bellof largou em último e chegou em 3o lugar, precisa dizer algo? (nas estastisticas da F1, Bellof não aparece com o 3o lugar computado pois no final do ano, a equipe Tyrrell foi desclassificada de todas as provas por irregularidades no peso do carro).

Porsche 956 de Stefan Bellof, em 1985.

A morte de Bellof aconteceu nos 1000km de Spa, onde Bellof estava pilotando para a equipe Brun Motorsport. Ele chegou a equipe de Walter Brun por causa de desentendimentos com Jacky Ickx, na época companheiros na equipe de fábrica. Bellof saiu pois buscava um espaço na F1 e Ickx queria um companheiro focado no WSCC, para o ano de 1985.

Na corrida, mais exatamente na 77a volta, Bellof e Ickx (pilotava pela equipe oficial, um 962C) dividiram a Eau Rouge, e certamente não é uma coisa muito legal dividir essa curva com alguém. Bellof sempre foi reverenciado por manobras muito arriscadas nas suas ultrapassagens, e queria fazer isso sobre Ickx, já que Spa era a casa deste último. Bellof tentou a ultrapassagem em Ickx na entrada da curva, e houve o contato (a roda dianteira de Bellof bateu na traseira de Ickx), e o carro do belga rodou e bateu de traseira, já Bellof não teve a mesma sorte e foi reto no guard-rail da segunda perna da Eau Rouge, sendo que este era colado com pedra maciça. Bellof foi levado consciente, mas em estado grave para o hospital, tendo morrido logo depois.

Momento do toque entre Bellof e Ickx.

Acidente de Stefan Bellof.

Para finalizar, vale mais algumas informações. Foram fabricados 150 chassis dessa maravilha denominada 956. Mas ela seria usada até 1991, tendo suporte oficial da Porsche. Em 2005 foi leiloado o Rothmans 004, vencedor de Le Mans em 1984, por aproximadamente 1 milhão e 200 mil Euros.

Fontes:
GP Insider: http://gpinsider.wordpress.com
Supercars: http://www.supercars.net
Wikipedia: http://pt.wikipedia.org

3 comentários:

Cláudio Souza disse...

Eu nunca acompanhei muito a história dos protótipos, mas quando eu comecei a ler sobre este fantástico carro, percebi quanto o automobilismo é fascinante e que existe um mundo gigantesco além da F1...

Raoni Frizzo disse...

Sensacional o texto, Anderson!

Eu sou suspeito para falar de qualquer Porsche, já que é minha marca preferida, mas esse 956 é sem dúvidas um top-10 nos grandes carros da história!

Essa pintura Porsche-Rothmans também marcou época, assim como a McLaren-Marlboro e a Lotus-JPS e tantos outros carros.

Mas olha só, eu não sabia que o Mario e o Michael Andretti já pilotaram um 956!

Rodrigo disse...

Belo texto! Apenas uma correção: o correto é 650 cv de potência e 2.649 cm³ de capacidade cúbica (sobre o motor do 956), e não 2.649 cm³ de potência.

Abs!