sábado, 25 de agosto de 2012

Ayrton Senna na visão de Alain Prost

As memórias de um rival

Alain Prost relata como foram os dois anos de convivência e desmitifica o personagem Ayrton Senna.

O primeiro encontro entre eles foi em Maio de 1984, quando os dois foram convidados para participar da corrida inaugural do novo circuito de Nurburgring. Prost tinha acabado de se juntar a McLaren enquanto Ayrton Senna tinha acabado de fazer algumas corridas em seu ano de estréia na Fórmula 1 pela equipe Toleman. Com o passar dos anos, eles se tornaram companheiros de equipe na McLaren quatro anos mais tarde, Prost era bicampeão Mundial de F1 e Senna tinha conseguido seis vitórias com a Lotus e uma quantidade fantástica de poles. Apesar de sua incontestável posição na equipe, o francês estava focado em ter um companheiro de equipe forte ao seu lado. 
"No tempo em que eu considerava a equipe McLaren como minha casa", Prost recorda. "Em 1986 eu e o Ron Dennis tivemos uma viagem para o Japão para tentar o apoio da Honda. Foi a primeira vez que nós conversamos de quem poderia ser o outro piloto para pilotar conosco, falamos em nomes como Nelson Piquet e outros. Eu disse para o Ron, "Pegue o melhor piloto jovem com potencial para pilotar para uma equipe grande, e esse piloto é o Ayrton".

Prost e Ron Dennis, relação forte entre 1984 e 1988.
"Eles todos disseram, 'Por que você quer o Ayrton? eu disse: 'Porque não?' Eu sempre estava pensando no time em primeiro lugar. Obviamente eu não tinha idéia do que iria acontecer no futuro! Eu sabia que ele seria muito rápido, disso não havia qualquer dúvida.
"Eu nunca disse disso, mas várias pessoas próximas a mim disseram: 'Você já parou para imaginar quantos títulos mundiais você teria conquistado se tivesse vetado a ida do Ayrton para a McLaren?' Com certeza, mas isso não era algo que eu estivesse pensando na época...
Não demorou muito tempo para o Ayrton demonstrar toda a sua velocidade. Uma intensa batalha se desenvolveu, dentro e fora das pistas. Até os 'briefings' tornou-se objeto de competição entre ambos, como Prost recorda.

Prost era o líder da McLaren aonde havia conquistado dois títulos mundiais.
"Nós estavámos dominando a F1, mas nós queríamos melhorar o carro. E nós sabíamos também que se nós nos mantivessémos rápidos e consistentes, faríamos do carro cada vez melhor, e isso por causa de nós, dos pilotos."
"Nós sempre queríamos ter o carro melhor, e de fato nós estavámos lutando tão forte, que colocamos o carro em um desempenho muito acima dos demais. Nós dedicavámos três, quatro, cinco horas em 'briefings', enquanto outros pilotos gastam vinte ou trinta minutos. Um monte de gente nos disse que erámos loucos de fazer aquilo."

A relação entre Prost e Senna em 1988 foi de trabalho árduo e respeito mutuo.
"Mas havia duas razões para isso. O primeiro era melhorar o carro e o time, e segundo, nós queríamos ter absoluta certeza para não esquecer algo. Algo que pudesse me privilegiar diante do Ayrton, ou do Ayrton perante mim. Tudo era muito bem preparado de uma maneira extremamente profissional. Mas por causa disso que tudo se tornou um jogo psicologico. Não havia maneira do Ayrton deixar o 'briefing' antes de mim, ou eu deixar o 'briefing' antes do Ayrton. Então nós saiamos todos juntos. E muitas vezes os engenheiros estressados, diziam: 'meus deus! vamos embora...' ."
"Eu não acho - e na verdade tenho absoluta certeza - que nós tenhamos mentido ou escondido algo de um para o outro. Tenho certeza. Eu podia confiar nele, e ele em mim. Tudo era muito aberto e nós conversávamos como bons companheiros de equipe. Mas quando esse trabalho acabou, realmente o clima ficou muito tenso."

Perder para Prost era a pior das derrotas que Senna podia ter.
Dizer que Senna nunca ficava feliz quando perdia para Prost é algo completamente normal, "Era parte do caráter do Ayrton. Ele ficava furioso, com certeza. Era a parte que entendia nele que, para ele, perder era algo ruim, mas perder para mim era realmente pior. Toda sua motivação era em me vencer e eu comecei a entender isso durante nossa rivalidade, mas compreendi melhor quando eu parei. Ele estava na F1 obviamente por causa do seu amor pela velocidade e pela F1, mas sua grande motivação era em me vencer. E isso era gratificante para mim."
Prost disse que ele tinha uma certa vantagem sobre o Ayrton na questão de acertar os carros. Infelizmente para ele, Senna estava sempre em alerta para se beneficiar. "Eu me lembro muitas, muitas vezes que eu estava fazendo alguns testes e voltando para a casa quando recebo uma ligação do Ron Dennis: 'Você poderia voltar para a Inglaterra amanhã? O Ayrton resolveu ficar mais alguns dias no Brasil'. Você faz isso uma, duas, três vezes, mas no final das contas, você começa a ficar furioso com a situação. E ele estava sempre ciente do que eu estava fazendo e de como o carro estava se comportando. E o Ayrton poderia pilotar exatamente o mesmo carro dos testes, então ele estava sempre em uma posição além."

Senna e Prost dividindo o pódio, cena comum.
"Para acertar o carro eu não achei o Ayrton o melhor piloto, mas mentalmente e pilotando no limite em uma volta para conseguir uma pole, ele realmente era o melhor de todos. Eu não acho que aprendi muito com ele, porque é mais fácil você aprender a corrigir uma pilotagem ou aprender a acertar um carro do que aprender a concentração ou mentalidade do negócio, porque você nunca vai conseguir mudar isso de uma hora para a outra."
Com certeza, a relação entre Senna e Prost é muito recordado pelas batalhas dentro das pistas. Algumas como em Suzuka em 1989 e 1990, terminou em desastres, mas teve outros casos para serem recordados. Ayrton era um sujeito que nunca aceitava que estava errado ou que cometia erros. "Muitas vezes nós conversamos com Ron sobre o fato de nós decidirmos as corridas na pista, em condições igualitárias." disse Prost. "Porque nós estavámos na mesma equipe e nós não queriamos perder a corrida para a equipe, então nós tinhamos que ser cuidadosos. Mas quando ele estava dentro do carro... Eu me recordo uma ou duas vezes, por exemplo a largada do GP da Inglaterra de 1989, ele me ultrapassou na primeira curva. Ele simplesmente se manteve com o pé embaixo por dentro e me empurrou para fora. Obviamente se eu não me mantesse cinco metros do carro dele, nós iriamos nos tocar e sair da corrida. Era o jeito dele pensar e agir.
"O problema do Ayrton nesse tipo de situação era que não adiantava conversar. Você não podia conversar sobre estas situações com ele, porque ele nunca iria aceitar que estava errado. Ele nunca tinha o mesmo senso de julgamento, não somente comigo mas com todos. Ele sempre pensava que estava pilotando da maneira mais correta do mundo - ele nunca percebia que estava colocando os outros em riscos com suas manobras - e ele nunca via as coisas do jeito que você as via. Absolutamente nunca.

Reta de Estoril, Senna espreme Prost no muro, para Prost, com ele não tinha conversa.
Trabalho em equipe, os dois elevaram a McLaren a um patamar inalcançavel.
"Eu nunca escutei, 'eu cometi um erro' , ou 'eu fiz algo errado'. Sem chances. Ele nunca tinha desculpas estúpidas - não fazia parte de sua personalidade - mas ele nunca aceitava que tinha feito algo de errado ou cometido algum erro."
Um caso em particular minou com o relacionamente dos dois. "Nós tivemos uma inesquecível história em Ímola/1989, quando  nós tínhamos um "acordo de cavalheiros" dentro da equipe. Nós dissemos: 'Ok, nós queremos ganhar a corrida - não podíamos deixa-la escapar da McLaren. O piloto que largasse melhor faria a primeira curva na frente, lideraria a corrida, e então teria uma corrida livre, sem confusões após a primeira curva'. Então ele me ultrapassou antes da primeira curva. Quando nós conversamos a respeito ele veio a mim e disse que eu tentei ultrapassa-lo, coisa desse tipo.
"Alguém disse: 'Ayrton, nós temos o vídeo, milhões de pessoas assistiram isso'. Mas ele se manteve irredutivel. O seu jeito de pensar e pilotar era completamente diferente do que eu havia visto antes. Isso aconteceu umas duas ou três vezes. E esse era o Ayrton Senna. Por isso era muito dificil ir contra ele.


A ultrapassagem da discórdia

"Era necessário que você tivesse muita experiência para entender como e porquê ele pensava assim. De outra maneira, você jamais compreenderia. Você diz: 'Esse cara é maluco'. Ele não é maluco, essa é a maneira que ele age dentro do carro, e quando ele está dentro do carro, ele não pensa em mais nada.
"Para mim era muito estranho. Eu nunca tinha experimentado algo parecido. Sabe, quando você está conversando sobre alguém, você está falando num todo. Mas tudo isso era uma parte de sua personalidade. Com certeza, ele estava utilizando todo o seu carisma ao seu favor. Se ele estava sendo forte mentalmente ou até duro algumas vezes, era por causa dessa parte da sua personalidade. Obviamente não é facil competir contra alguém como ele. Você nunca sabia o que iria acontecer..."
Prost percebeu que Senna era tinha um caráter diferente em 1988 Mônaco após o brasileiro vencê-lo na luta pela pole-position. A explicação sobrenatural de Ayrton sobre sua conquista deixou Alain Prost chocado. "Ele disse para a imprensa que tinha saído do carro e olhado para o mesmo de fora, e viu como o carro estava se comportando na pista. E então percebeu o que estava acontecendo de errado e voltou para o carro e pilotou perfeitamente, fez a volta perfeita."

Após perder a pole para Senna, contou com a desconcentração do rival para levar a coroa.
 "Obviamente eu estava ao seu lado, olhando para a imprensa, olhando para o pessoal. Eu disse para mim mesmo: 'Eu espero que não tenha que responder perguntas a respeito disso, porque eu não sei o que pensar!' É como você não estar fazendo o mesmo trabalho, o mesmo negócio. Obviamente ele podia ter feito algo de errado nas voltas anteriores, percebido o que tinha feito de errado, corrigido e feito a volta perfeita, eu poderia aceitar isso. Para mim era muito dificil escutar tudo aquilo."
"Depois daquele dia eu percebi que ele teria todo mundo ao seu lado. Era a moderna F1... de fato as pessoas precisavam de uma pessoa como ele. Ele era diferente. Eu era muito chato! Eu realmente me senti como um merda; como eu vou me comportar em situações como estas? Como eu posso explicar que eu perdi a pole-position para um cara que saiu do carro? viu ele do céu? Era muito, muito díficil. Ninguém podia entender como era dificil."

Prost não compreendia o lado "sobrenatural" de Ayrton.
No inverno europeu de 1993 para 1994 começou uma trégua na rivalidade. Prost agora estava aposentado e Ayrton Senna tinha assumido seu carro na Williams Renault, Senna tinha razões para reativar o relacionamento com o Alain. Ele estava sofrendo para acertar o novo FW16, agora sem os recursos eletrônicos. Ayrton estava interessado nas opiniões do francês sobre o modelo anterior. Mas o interesse do brasileiro ia além disso.
"Depois que eu me retirei nós começamos a conversar sobre outras coisas, o fato era que ele estava receoso, e não sentia segurança nos novos carros, então ele queria que eu liderasse a GPDA (Grand Prix Drivers Association) para a segurança da F1. Ele estava muito, mas muito preocupado com a segurança. Ele estava me parecendo uma pessoa mais fraca. Digamos, ele estava normal."
"Ele me chamou algumas vezes, algumas por razão nenhuma. Ele queria apenas conversar. Ele tinha problemas com o novo carro, e estava convencido que a Benetton estava trapaceando, e ele estava muito chateado com isso - e não era eu que estava dizendo, era ele que dizia essas coisas para mim!".

Prost e Senna, trégua na ferrenha rivalidade.
"Ele estava muito preocupado com a segurança. Eu não sabia o porquê da preocupação naquele instante, porque nós nunca tivemos grandes problemas em nossas carreiras. Obviamente os carros estavam ficando cada vez mais rápidos. Foi quando ele chegou em mim e disse que não se sentia tão motivado quanto antes. Ele disse que sentia minha falta e que não era mais a mesma coisa. Sua voz e seu comportamento era muito diferente. Ele estava com um olhar sereno e fraco, não era o mesmo Ayrton que eu conhecera antes ."
"Eu percebi então que o Ayrton era obcecado em me vencer somente. Não tinha o mesmo desejo de vitória contra um Nigel Mansell ou Michael Schumacher. Eu fiquei realmente muito impressionado com isso. Algumas vezes você pode pensar que isso é uma piada, mas ele repetia isso todas as vezes que nós conversávamos. Ele queria que eu retornasse para a F1 e brincava dizendo que queria me ver sentado no McLaren com motores Peugeot, rival da Renault. Era realmente interessante, só então que eu percebi que aquilo que eu pensava a respeito era realmente verdadeiro."

A saída de Prost da F1 derrubou a motivação de Ayrton, segundo Alain.
Prost tem algumas boas memórias de San Marino. Ayrton Senna o cumprimentou ao vivo na TV francesa em uma volta onboard dizendo que sentia sua falta nas corridas. Antes da corrida de Ímola, o brasileiro veio até a garagem da Renault, que estava lotada de gente, aonde Alain estava almoçando, apenas para cumprimenta-lo. Um gesto que deixou todos atordoados, principalmente o francês.
"Pode parecer estúpido, mas não há chance de você pensar que um piloto como o Ayrton pudesse vir até a garagem, lotada de gente que você não suportaria ver antes de uma corrida, apenas para dizer: "Olá Alain, como você está? Venha me ver na garagem antes da largada."
Eles conversaram pela ultima vez, sozinhos atrás do motorhome da Williams, alguns minutos antes da largada. Algumas coisas, ainda mantem-se vivas na mente de Alain. Ele disse novamente que sentia minha falta nas pistas. 
"Todos sentem a falta do Ayrton, por causa do seu comportamento dentro das pistas. Você ainda o quer ver lá, na pista, lutando contra o Michael Schumacher! Eu não sei como seria se fosse hoje, porque ele estaria mais velho, e nós infelizmente perdemos esta parte."

Senna e Prost em Bercy, 1993 - antes rivais, agora amigos no kart.
"Ele era uma pessoa muito estranha, mas ao mesmo tempo que você o quer proteger, você quer automaticamente ajuda-lo. Eu não sei como. Eu acho que o que nós mais perdemos talvez tenha sido descobrir mais a parte humana do Ayrton. Se ele ainda estivesse entre nós ele ajudaria muita gente, especialmente as pessoas do Brasil, as crianças do Brasil, porque ele seria como um deus. E ele continua, mas se ele realmente estivesse aqui entre nós ele usaria sua fama para voôs maiores, ele seria algo muito grande em seu país. Acho que essa parte é a que mais perdemos."

 

Texto extraido da Revista Autosport
por Adam Cooper, Abril/2004