sábado, 14 de agosto de 2010

A Bela História da Lotus Grand Prix

O nome Lotus voltou, mas a sua história permanece no passado.

Colin Chapman, fundador da Lotus Grand Prix, a frente de suas "crias". Uma bela história que teve começo, meio e fim.

A notícia não chegou a pegar ninguém de surpresa. Na tarde de 17 de janeiro de 1995, o dono da Lotus Grand Prix, David Hunt, anunciou na Inglaterra o fechamento da equipe. Foi um final nada digno - ainda mais para um time que proporcionou 6 títulos mundiais a seus pilotos e venceu 79 GP's. Em 1994, a Lotus não marcou nenhum ponto no campeonato e encerrou o ano com um balanço irreversível: as dívidas chegavam a US$ 17 milhões ( muito alto para os padrões da época ) e as finanças do time estavam sendo geridas por administradores designados pelo governo britânico. O crédito na praça estava tão baixo que a equipe chegou a ser impedida de treinar em Silverstone enquanto não saldasse suas dívidas de aluguel do autódromo para testes.

A última vitória: GP de Detroit de 1987 com Ayrton Senna

Terminou assim uma das mais belas histórias de uma equipe de F1. É verdade que a Lotus já estava longe da luta das vitórias há muitos anos antes de seu encerramento - a última em 1987, quando Ayrton Senna venceu o GP de Detroit. Mas é sempre triste ver uma equipe com uma história tão rica acabar de forma tão deprimente. A evolução da própria F1 se deve, em boa parte, à Lotus, principalmente quando a equipe tinha o genial Colin Chapman em seu comando. O legado mais profundo foi uma revolução publicitária: em 1968, Chapman escandalizou várias pessoas ao pintar seus carros com as cores vermelho, branco e dourado dos cigarros Gold Leaf. Era a primeira vez que um F1 deixava de ter as cores de seu país de origem para ostentar na carenagem um patrocínio de uma empresa que nada tivesse a ver com automóveis.

Lotus 49 - O carro da Revolução Publicitária na F1

Tecnicamente, entretanto, as peripécias da Lotus não ficam atrás. O Lotus 49, de 1967, foi o primeiro carro a correr ( e ganhar ) com motor Ford Cosworth e o primeiro a usar motor como elemento integrande do chassi - uma técnica que dura até hoje. Em 1970, nova revolução: o modelo 72 foi o primeiro a ter bico em forma de cunha fugindo do conceito "charutinho" usado na F1 até então. Esse carro foi o que mais tempo se manteve competitivo na F1: ganhou corridas até 1974. Chapman voltaria a surpreender ao aplicar, com enormes vantagens, o efeito-asa, em 1978: as laterais dos carros tinham perfil interno de asa de avião invertida, conseguindo assim maior estabilidade mesmo em altíssimas velocidades. Essa idéia foi tentada sem sucesso pela March, em 1970, mas Chapman descobriu o segredo ao usar as "minissaias", que vedavam as laterais do carro até o chão e canalizavam o fluxo de ar, dando maior eficiência ao efeito asa. Mesmo depois do desaparecimento de Chapman, em 1982, a Lotus continuou inovando: em 1987, a equipe foi a pioneira no uso de suspensões ativas.

Lotus 78 - O Carro do "Efeito Asa"

É claro que Chapman não teve apenas idéias geniais - aliás, muitos de seus conceitos aerodinâmicos tiveram uma "pequena" inspiração nas idéias de Jim Hall ( ex-patrão de Gil de Ferran no começo de sua carreira na F-Indy ). Os sucessos foram permeados por vários projetos infelizes. Um deles foi o do carro com tração nas quatro rodas ( uma idéia que não foi criada por Chapman, mas que nem mesmo ele conseguiu tornar viável na F1 ). Em 1971, novo fiasco com o Lotus com motor de turbina de avião. O carro era rapidíssimo, mas não havia freios que resistissem a tanta potência. O Lotus 76, lançado em 1974, tinha quatro pedais ( dois de freio ), um sistema que nunca funcionou direito e foi logo abandonado. A última criação de Chapman foi o Lotus 88T de 1981, que procurava compensar a proibição do efeito asa. Através de um sistema de molas, a carroceria abaixava quanto em alta velocidade, chegando a tocar  no chão e recriando o efeito solo. Esse carro nunca competiu: esteve inscrito para três GP's, mas os comissários o declararam ilegal, baseados na proibição regulamentar de elementos aerodinâmicos móveis.

Lotus 88T - O carro que nunca competiu

A história da Lotus começou quando Chapman, um engenheiro inglês que foi piloto da Força Aérea Britânica, resolveu construir carros esporte no começo da década de 50, enquanto disputava algumas corridas. Como piloto, Chapman chegou a tentar a F1: esteve inscrito para o GP da França de 1956, com um Vanwall, acabou não largando porque destruiu o carro ao bater durante os treinos. Dois anos depois, o primeiro Lotus foi para a pista com os ingleses Graham Hill e Cliff Allison, o piloto que marcaria os primeiros pontos da nova equipe.

A Primeira vitória da Lotus aconteceria em 1960, em Mônaco, com Stirling Moss. Mas o sucesso total só começaria com um piloto que ainda estava começando: Jim Clark, que em 1963 daria o primeiro título mundial à Lotus. A parceria Clark-Chapman, por sinal, produziu muito mais que vitórias: entre  eles, nasceu uma sólida amizade. Clark foi o único piloto de ponta da F1 que jamais trocou de equipe. Seus 72 GP's, disputados entre as temporadas de 1960 e 1968, foram todas pela equipe Lotus. Clark e Chapman adoravam competir em qualquer coisa, desde rachas de rua até brincadeiras como subir escadas com apenas um pé.

Jim Clark e Lotus - Uma parceria que rendeu 2 títulos mundiais de F1, em 1963 e 1965

Essa amizade perdurou até a morte de Clark, em uma prova de F2 em Hockenheim, em 1968 - pilotando, claro, um Lotus. A morte de Clark, e dois anos depois a de Jochen Rindt ( seu Lotus espatifou-se na curva Parabólica de Monza ), fez Chapman evitar qualquer relação mais afetiva com seus pilotos. Mesmo assim, seus métodos deixavam claro o respeito que ele tinha por seus campeões. Segundo Emerson Fittipaldi, Chapman costumava jantar com seus pilotos após os dias de treinos, sempre procurando puxar a conversa para o acerto dos carros. Quando os pilotos chegavam ao autódromo no dia seguinte, já encontravam os carros com algumas das modificações sugeridas durante a noite anterior. Evidentemente, o lado político também era habilmente comandado por Chapman: para defender seus interesses, não hesitou em semear intrigas entre seus pilotos, como aconteceu com Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson, em 1973, e com Peterson e Mario Andretti, cinco anos mais tarde.

O título de Andretti, em 1978, seria o último da Lotus. No ano seguinte, a equipe começou a entrar em decadência e não conseguiu nenhuma vitória. A comemoração característica de Chapman quando um de seus pilotos ganhava uma corrida era ir pular a mureta dos boxes, ficar na beira da pista, na linha de chegada, e jogar o boné para cima enquanto o diretor de prova dava a bandeirada. Chapman fez esse gesto pela última vez no GP da Austria em 1982, uma corrida cheia de abandonos, que Elio de Angelis venceu com poucos metros de vantagem sobre Keke Rosberg da Williams. Foi o último vôo do boné: em dezembro daquele ano, era anunciada a morte de Colin Chpman.

Jochen Rindt em 1970 - O campeão póstumo da Lotus

Emerson Fittipaldi em 1972 - O primeiro brasileiro campeão mundial de F1

A ultima fase competitiva da Lotus durou entre 1983 e 1987. Gerard Ducarouge, que feito bons carros para a Ligier e a Alfa Romeo, foi contratado para projetar os Lotus e conseguiu manter a equipe em com nível técnico - ajudada, em boa parte, pelo talento de Ayrton Senna, que fez alguns milagres durante os três anos ( 1985 e 1987 ) em que esteve na equipe. Ducarouge, entretanto, pode ser considerado iminência parda no processo que levou à falência da equipe. Em 1988, Nelson Piquet, então campeão mundial, entrou no lugar de Senna, com as melhores perspectivas possíveis: a equipe tinha os poderosos motores Honda turbo e um polpudo patrocínio da Camel. Só que o projeto do modelo 100T, projetado por Gerard Ducarouge, contrariava até as especificações recomendadas pelos técnicos da Honda. Enquanto a McLaren ( única outra equipe tinha motores Honda naquele ano e ganhou 15 GP's dos 16 GP's, a Lotus debatia-se com um carro impossivel de ser acertado e que, na definição de um jornalista inglês, "tinha a rigidez estrutural de uma casquinha de sorvete molhada". Sem conseguir mais que três suados terceiros lugares, Piquet terminou o campeonato em 6º Lugar e Ducarouge foi demitido antes do final do ano.

Ayrton Senna foi um dos grandes nomes da F1 a ter pilotado para a Lotus

 
Nigel Mansell pilotando o famoso Lotus preto

Nelson Piquet e o Lotus Camel Honda de 1988.

Era o começo do fim. Ainda no final de 1988, a Lotus perdeu o motor Honda. No ano seguinte, Piquet e Satoru Nakajima não conseguiram se classificar para o GP da Bélgica e, pela primeira vez, a Lotus ficava ausente de um grid por insuficiência técnica. No final do ano, Piquet deixou a equipe. Terminada a temporada de 1990, era a Camel quem saía da Lotus. Sem nenhum grande patrocinador, as dívidas começaram a pesar em 1991, embora as duas temporadas seguintes tenham dado esperanças graças a um carro novo e ao talento de pilotos como Mika Häkkinen e, depois, Johnny Herbert. Só ilusão: as dívidas aumentaram de forma insuportável e, em 1994, a Lotus teve pilotos de aluguel e aceitou qualquer dinheiro pingado, sem que isso tirasse o balanço do vermelho. Passou de mão em mão, até David Hunt decretar o ponto final na história da equipe que tenta, aos poucos, ressurgir nas mãos dos malaios.

Outros Campeões pela Lotus Grand Prix

Graham Hill, campeão pela Lotus em 1968

Mario Andretti, americano de origem italiana foi campeão em 1978.

O Mistério do Criador


ACBC. Essas letras, que aparecem no emblema da Lotus, são do inglês Anthony Colin Bruce Chapman, um dos mais criativos e polêmicos chefes de equipe de todos os tempos. Nascido em 19 de maio de 1928, Chapman era engenheiro aeronáutico e envolveu-se com o automobilismo como piloto, ao mesmo tempo em que fabricava seus carros. Só parou de correr quando a Lotus estreou na F1 em 1958. Entrou para a história pelas vitórias ( incluindo a de Jim Clark nas 500 milhas de Indianápolis de 1965 ) e também pela originalidade no projeto de seus carros.
A morte de Chapman, entretanto, ainda é cercado de mistérios. Oficialmente, ele morreu em 16 de dezembro de 1982, ao sofrer um ataque cardíaco fulminante.Mas a sensacionalista imprensa italiana levantou dados que apontam para a hipótese de Chapman ter forjado sua morte para escapar de complicações com a justiça britânica. A Lotus estava envolvida no projeto do DMC, um carro de rua fabricado pelo executivo norte-americano John de Lorean. A DMC teve ajuda financeira do governo britânico, mas passava por sérias dificuldades financeiras. Na mesma época da morte de Chapman, De Lorean foi preso em flagrante por tráfico de drogas - uma tentativa desesperada de salvar a DMC. Dizem que o corpo de Chapman não foi visto por ninguém, além de sua mulher, Hazel, e do médico que fez a autópsia. Hazel esteve no GP do Brasil de 1983 e aproveitou para fazer turismo. Mas, segundo Emerson Fittipaldi, ela havia destestado o Brasil quando esteve no país, dez anos antes. Isso, mais o fato de o Brasil ser, na época, um dos poucos países que transmitiam todos os GP's ao vivo e na íntegra, foi suficiente para se supor que Chapman estaria refugiado em algum canto do Brasil! Toda essa trama jamais foi confirmada ou desmentida.

A Herança da Lotus

Lotus Grand Prix em números:
( 1958 - 1994 )
GP's disputados: 49
Vitórias: 79
Títulos Mundiais: 6
Títulos Construtores: 7
Poles Positions: 107
Melhores Voltas: 71

Texto extraído da Revista Racing
Ano 3 - Nº 2 - Ed. 19
Por Luiz Alberto Pandini

Um comentário:

Fernando Cataldo disse...

Sensacional a matéria. Dentro das novatas de 2010, a "Lotus" é a que mais simpatiza devido a história e claro que os novos donos não poderiam dar nada menos que todo o esforço para não deixar sujar o nome da marca. A publicidade, que tanto tem a agradecer a F1, quem diria também tem muito a agradecer a Colin Chapman. E eu agradeço também!