O Mito Fangio
Juan Manuel Fangio foi campeão e vice nas 7 temporadas completas que disputou na F1.
Ele fez fama no tempo em que Fórmula 1 era chamado de "charutinho" e a nossa seleção de futebol era aquela dos "Canarinhos do Brasil". Hoje, quase 55 anos depois, muita gente não lembra mais a escalação da seleção que ganhou a Copa de 1958, na Suécia. Mas Juan Manuel Fangio continua sendo citado como um dos maiores pilotos de todos os tempos.
Olhos azuis, jeito manso de falar e a classe de um nobre. Ainda por cima, cinco vezes campeão mundial. Fangio, além de vencer corridas em uma época onde seria inimaginável a tecnologia ser mais importante que o piloto, ainda abandonou as pistas por livre e espontânea vontade, enquanto muitos de seus contemporâneos morreram ou tiveram que parar após sofrerem acidentes graves, Fangio derrotou os perigos do automobilismo de sua época, mas nada pôde fazer contra as limitações que a idade impôe. Morreu em 17 de Julho de 1995, aos 84 anos de idade, vítima de pneumonia e de complicações renais que debilitavam sua saúde já há dois anos.
Nascido em 24 de Junho de 1911, em Balcarce (uma pequena cidade a 400km de Buenos Aires), Fangio foi o quarto filho de uma familia que ainda teria mais dois. O mais novo, Ruben (mais conhecido por "Toto"), foi o único que acompanhou o irmão nas corridas, como mecânico. Em 1934, Fangio fez sua estréia nas provas de carreteras (estradas), extramamente populares na Argentina. A primeira grande vitória foi em 1940, no Grande Prêmio Internacional del Norte, entre a Argentina e o Peru, Fangio pilotava um Chevrolet 6 cilindros, ainda com a direção no lado direito - como eram os carros argentinos até o começo dos anos 30. Toda a cidade de Balcarce já torcia pelo piloto local e Fangio conseguia dinheiro para correr através de jantares e subvenções em praça pública. Ser piloto naquela época exigia, talvez mais que hoje, uma grande dose de coragem e até de loucura: embora alcançassem velocidades finais próximas as de hoje, os carros não tinham nenhuma proteção para o piloto e, em qualquer pista, as máquinas passavam tão perto do público quanto passam hoje pelos guard-rails do circuito de Mônaco.
Fangio foi campeão mundial de F1 em 1951, 1954, 1955, 1956 e 1957.
A julgar por uma história contada por Toto, essa dose de inconsequência foi hereditária no caso de Fangio. O pai deles, um imigrante italiano, foi o primeiro morador de Balcarce a ter uma antena de TV, ainda daquelas que pareciam uma torre de prospecção de petróleo. Havia uma árvore no único lugar disponível no então pequeno quintal de casa. O pai de Fangio mandou desmontar a enorme torre e rearma-la em volta da árvore, sem que um galho sequer fosse arrancado.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as corridas foram suspensas e Fangio tinha uma pequena reserva de dinheiro. Resolveu comprar caminhões usados, que devido à falta de combustível foram adquiridos por uma mixaria. Quando a Guerra acabou, Fangio teve um bom lucro revendendo os caminhõs e foi correr na Europa em 1947. Nessa época, ele e seu amigo e adversário José Froilán Gonzalez recebiam uma pequena verba da Swixtil, na época a mais fina grife de roupas da Argentina. Foi provavelmente a primeira empresa não relacionada com automóveis a patrocinar pilotos, ao menos fora dos Estados Unidos. O dinheiro grosso, entretanto, veio do então presidente argentino, Juan Domingo Perón, interessado em divulgar seu país através das corridas.
Fangio e o Mercedes-benz W196 de 1954, o carro do bicampeonato.
Na Europa, Fangio começou a se destacar correndo com um Gordini. Passou depois para a Alfa Romeo e seu desempenho foi suficiente para a marca italiana confirmá-lo como um de seus pilotos para o primeiro Campeonato Mundial de Fórmula 1, em 1950. Foi vice-campeão naquele ano, mas ganhou na temporada seguinte o primeiro de seus cinco títulos. Em 1952, a Alfa Romeo anunciou a retirada das pistas e Fangio chegou a fazer algumas provas com um BRM, antes de começar o campeonato. Sofreu nesse ano, antes da abertura da temporada, o único acidente grave de sua carreira: cansado por ter feito uma longa viagem de carro até Monza, acabou batendo e teve lesões na coluna, ficando fora das pistas durante todo o ano. Voltou em 1953 e foi vice-campeão, começando no ano seguinte a série de conquistas que o levariam ao pentacampeonato mundial em 1957.
O Mercedes-benz W196 de 1955, ano do Tri.
Da época da Mercedes, em 1954 e 1955, nasceu a rivalidade de Fangio com o inglês Stirling Moss, seu companheiro de equipe. Essa rivalidade jamais influiu no lado humano: anos antes de falecer, era comum um deles viajar milhares de quilômetros e reencontrar o amigo para um jantar e bate papo. Certa vez, Moss brincou sobre o rival: "Esse argentino não fala uma palavra de inglês, francês ou alemão, mas guia como ninguém e está sempre com as mais belas mulheres..." . Fangio pensou em parar de correr em 1957, mas resolveu disputar o Mundial pela Maserati. "Falavam que eu só vencia porque tinha o melhor carro, e resolvi pegar uma Maserati, então pouco competitiva, para acabar com os boatos." escreveu em um de seus livros de memórias. Foi naquele ano que Fangio fez a maior corrida de toda a sua vida, o GP da Alemanha: após uma desastrosa parada nos boxes, Fangio recuperou em poucas voltas mais de um minutos de atraso em relação às Ferraris de Mike Hawthorn e Peter Collins. Depois da corrida , delcarou: "Nunca mais corro assim. Quase não usei freios...", no final do ano, era campeão pela quinta vez.
Em 1958, Fangio já sentia o cansaço que se abate sobre pilotos veteranos. Correu o GP da Argentina e depois só voltou à F1 para o GP da França, em Rheims. Ali, enquanto contornava os problemas de embreagem em sua Maserati, decidiu abandonar as pistas. "Havia uma reta grande, onde dava muito tempo para pensar. Havia planejado ficar um ano na Europa, e já estava há dez. Dei tantas alegrias a meus pais, e não tinha mais o direito de poder causar-lhes uma dor. Tomei a decisão: não correr nunca mais." A dor a que Fangio se referia era, evidentemente, o risco de um acidente fatal.
Com um Maserati pouco competitivo, Fangio comprovou seu talento - Pentacampeonato Mundial.
As emoções da carreira de Fangio aconteceram também fora das pistas. Em 1958, ele foi sequestrado em Cuba, um dia antes do GP de Havana para carros esporte. Fangio havia vencido a corrida no ano anterior, e os guerrilheiros de Fidel Castro viram no sequestro uma boa oportunidade de chamar a atenção para seu movimento e para a ditadura de Fulgêncio Batista. Fangio ficou alguns dias desaparecido e escapou da morte mais uma vez: Batista instruiu seus soldados para matarem Fangio para desmoralizar seus guerrilheiros - que, de sequestradores, acabaram virando guarda-costas do piloto, que escapou incólume e anos depois reencontrou um dos participantes do sequestro. "Ele havia sido nomeado ministro", divertia-se Fangio. Até hoje, ele é o piloto mais famoso de Cuba. Ali, poucos ouviram falar de Ayrton Senna ou Michael Schumacher, mas todos sabem quem é Fangio.
Senna e seu ídolo Fangio - Relação Fraternal
Fangio nunca mais correu, mas manteve-se ligado ao automobilismo de várias maneiras. Ainda nos anos 50, ajudou um grupo de sul-americanos (entre eles o brasileiro Fritz D'Orey) a montar uma equipe para correr na Europa. Na década de 70, foi diretor de provas dos GP's de F1 disputados na Argentina. Antes de falecer, Fangio era presidente honorário da Mercedes-benz argentina. Volta e meia acompanhava GP's ao vivo, tanto que entregou à Ayrton Senna o troféu pela vitória no GP do Brasil em 1993. Para o brasileiro, Fangio sempre reservou um carinho especial: "É o único piloto que veio me pedir conselhos. Acho que ele vai bater meu recorde de cinco títulos mundiais. Quem sabe assim eu possa descansar um pouco do 'mito Fangio'", declarou em uma de suas últimas visitas ao Brasil em 1992. Fangio viu pela TV o acidente fatal de Ayrton Senna em Ìmola e só fez um comentário: "Meu Deus, isto é fatal". Seus amigos e familiares passaram a evitar que Fangio tivesse qualquer contato com notícias sobre a morte de Senna. Não chegou a ficar claro se o campeão soube da morte de Senna, mas é certo que o acidente lhe causou uma profunda depressão que afetou ainda mais sua saúde. Fangio teve um filho, Oscar Fangio, o "El Cacho" (que chegou a correr nos anos 60 e 70), mas sua proximidade era maior com o sobrinho Juan Manuel Fangio II, filho de Toto e que também abraçou a carreira de piloto. Fangio II foi campeão da IMSA pela Toyota em 1993 e disputou provas na F-Indy nos anos 90, porém sem sucesso.
Fangio comemorando sua vitória em Zandvoort em 1955
Fangio nunca se atribuiu a importância que tem. Achava que, na sua época, o piloto influía pouco nos resultados: "Havia poucos GP's e praticamente não se treinava entre uma corrida e outra. Regular os carros era demorado e complicado. A equipe precisava trabalhar muito para chegar ao autódromo com o carro em ordem. Ao piloto e à sorte, cabia apenas uma pequena parte dos méritos". Humildade, é claro. A Fangio, é atribuida a frase "É preciso ser o melhor, mas nunca se sentir o melhor". Ele acreditou nisso até o fim da vida.
Um campeão que virou Lenda
Além de ser o único pentacampeão mundial de Fórmula 1 e ter seu recorde de títulos quebrado 46 anos depois (Michael Schumacher foi hexampeão em 2003, superando o recorde do argentino), Fangio continua sendo o piloto com maior média de pontos marcados por corrida (5,44) e de vitórias por corrida (2,15).
Fangio foi campeão ou vice em todas as temporadas completas que disputou na F1. Ele só deixou de figurar entre os primeiros colocados na classificação final em 1952 (não correu para se recuperar de um acidente em Monza) e em 1958 (disputou apenas duas corridas antes de abandonar as pistas).
O Acidente de Monza, em 1952, foi causado pelo cansaço. Devido a uma greve nos aeroportos europeus, Fangio teve que viajar de carro em velocidade máxima de París até Monza, para chegar a tempo de disputar os treinos oficiais. A consequência foi grave, mas sobrou uma história curiosa. Ao alugar o carro, ele comentou com a recepcionista da locadora o que pretendia fazer e o tempo que tinha para chegar, "Você pensa que é o Fangio?", perguntou a moça, ainda sem saber quem estava á sua frente.
Em 1954, Fangio começou a temporada pela Maserati e depois passou para a Mercedes. Conquistou seu segundo título e é o unico piloto a conquistar um título mundial pilotando para duas equipes diferentes.
Em Maio de 1958, cerca de três meses antes de anunciar sua retirada, Fangio inscreveu-se para as 500 milhas de Indianápolis. Fez o rookie-test e passou, disputando alguns treinos livres. Mas cancelou sua inscrição ao reparar na precariedade da equipe. "Havia peças jogadas pelo chão, eme doía ver um carro ser tratado daquela maneira. Senti que não ia dar certo e resolvi não participar da corrida.", disse Fangio anos depois.
A memória de Fangio está cuidadosamente preservada no Museu da Velocidade Juan Manuel Fangio, em Balcarce.
Fangio em números
51 corridas disputadas;
24 vitórias;
28 poles-positions;
23 melhores voltas;
5 títulos mundiais.
em pé: James Hunt, Jackie Stewart e Denny Hulme.
sentados: Nelson Piquet, Juan Manuel Fangio, Ayrton Senna e Jacky Brabham.
Juan Manuel Fangio - The F1 Great Legend
Ano 3; Nº 8; Edição 25
Por Luiz Alberto Pandini e Wágner González
2 comentários:
Simplesmente fantástico!
o homem só pode ser considerado um ícone aos esportistas de verdade. não se tem not´cias de nenhuma sujeira feitapor ele pra ser campeão mundial, e isso sim traça um gênio.
parabéns pelo post!
Abraços!
...já o dick vigarista (schumi) tem um monte no currículo.
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